Na era da Transição Digital vale a pena refletir

Indústria 5.0: Humanização e Sustentabilidade

 

Por: Dr.ª Rosélia Gonçalves | Vice-Presidente da Direção da AECOA

Nos últimos anos, a Indústria 4.0 (i4.0) assumiu-se como o eixo da transformação digital no setor produtivo, marcado pelo uso da inteligência artificial, da internet das coisas (IoT) e da automação. Ainda não acabado e, em alguns casos, nem sequer iniciado, este conceito é já bem conhecido e poucos serão os que nunca dele ouviram falar. Porém, enquanto nos admiramos (e maravilhamos!) com a eficiência e a precisão das máquinas, surgiu uma pergunta inquietante e que não é propriamente recente também: Qual o papel do Homem nesse futuro automatizado? É no cerne e na busca de resposta a essa questão que nasce a Indústria 5.0 (i5.0), que se destaca por um conceito revolucionário e, simultaneamente, restaurador: a reintegração do Humano no centro do processo industrial, aliado a valores de sustentabilidade, resiliência e bem-estar social.

É com entusiasmo e algum ceticismo saudável que observo a evolução para a i5.0, que vai além da mera inovação tecnológica e adentra numa esfera de revalorização do capital humano. Ao contrário da Indústria 4.0, que muitas vezes deixou o trabalhador à margem, a Indústria 5.0 propõe uma colaboração mais próxima e harmoniosa entre pessoas e máquinas, promovendo um ambiente no qual a tecnologia não substitui o Ser Humano, mas amplifica as suas capacidades e competências.

Este novo paradigma, defendido por pesquisadores e organizações internacionais como a Comissão Europeia, incorpora valores éticos, ambientais e sociais, o que representa um importante avanço para empresas e para a sociedade. Os critérios apontam estratégias bem claras: colocar a resiliência, a sustentabilidade e o bem-estar humano como pilares fundamentais. Isso significa não só produzir mais, mas também produzir melhor, com o mínimo impacto ambiental e a promoção da circularidade dos recursos. Empresas e indústrias passam a ter a responsabilidade de criar tecnologias que melhorem a vida dos trabalhadores e das comunidades, mantendo a consciência ecológica no centro das suas operações. Fácil? Parece. Mas não de todo.

Autores e especialistas experts nestas matérias, como o consultor europeu Tim Houter, defendem que a i5.0 será marcada pela “personalização em massa” e pelo “toque humano”, fatores que faltaram na revolução anterior, cuja ‘procissão ainda vai no adro’, se me permitem a expressão. Em vez de processos padronizados e uniformizados, o novo modelo aposta em produtos personalizados, que atendam às demandas específicas dos consumidores. Houter e outros especialistas defendem que essa personalização tornar-se-á um dos principais diferenciadores competitivos no mercado e abre novas oportunidades às empresas que investirem nessa abordagem.

Como afirmei atrás, enquanto empresária, não me parece fácil. Mas a experiência leva-se a ponderar, igualmente, que nada será impossível.

Para alcançar essa visão de futuro, é necessário reconfigurar mentalidades e práticas. A Indústria 5.0 não se limita a incorporar tecnologia – ela exige uma transformação cultural. As empresas precisarão adotar uma postura genuinamente colaborativa, onde o trabalhador deixe de ser visto como uma ‘peça’ e passe a ser um ‘parceiro’ da tecnologia. Uma atitude que exige investimento em qualificação, capacitação e, acima de tudo, uma liderança que inspire e reconheça o valor humano.

A meu ver, a Indústria 5.0 oferece uma oportunidade única de avançarmos em direção a um sistema económico mais equilibrado e humano. Se adotarmos esse modelo com responsabilidade e visão, podemos criar um futuro no qual a tecnologia assumir-se-á como uma aliada ao desenvolvimento social e ambiental. As empresas têm o papel de inovador não apenas por lucro, mas por um propósito maior, que envolve os trabalhadores, as comunidades e o planeta.

Enquanto empresários, não devemos encarar a i5.0 como uma opção, mas sim como um compromisso ético e estratégico com o futuro. Arriscar por uma indústria mais humanizada e sustentável é apostar num mundo mais justo e próspero. Que possamos, juntos, liderar essa mudança de paradigma e fazer da tecnologia uma verdadeira extensão do potencial humano. Assim, talvez iremos a tempo de ver nascer um amanhã onde progresso e o propósito caminhem lado a lado. Fácil? Não. Também se o fosse, não seria para nós, industriais e empresários deste país e deste planeta.

 

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado.